sexta-feira, 1 de maio de 2009

Educação e outros bichos mais.

Inquisição e caça às bruxas
Quando o resultado do ENEM foi divulgado, lembrei da Idade Média e da famosa Inquisição imposta pela Igreja Católica àqueles(as) que ousassem enfrentá-la ou questioná-la. Imaginei: "Medidas serão tomadas, professores responsabilizados e alunos inocentados. Seremos bodes-expiatórios de um problema que aflige nosso país desde o início dos nossos tempos". Quando se discute a posição do São Bento, enquanto expoente da Exame Nacional do Ensino Médio, principalmente no que se refere ao seu estatuto - só aceita meninos e não se deixa levar por falsos modernismos educacionais de modelos importados da Europa em realidades completamente diferente -, alguns professores saem em defesa de uma postura mais liberal e que nós, "do Estado", temos dificuldades mil, como falta de condições de trabalho, salas superlotadas, salários baixos, etc.
Porém o que todos esquecem, ou pelo menos parecem esquecer, é nossa realidade além da sala de aula. Por exemplo, na escola onde trabalho a noite, um grande n° de alunos está envolvido com o consumo de maconha e craque, e falam claramente que só vão a escola "pra curtir a onda e limpar a mente". A todo momento falam em "arrumar R$1,00 pra comprar uma pedra (de craque ou crack) ou fumar um dedo de Hulk (maconha)", e isso passa por todos e nada é feito, pois existem outras obrigações, tais como provas, COC, testes, reuniões, etc.
A indisciplina extrapola a regra de "errar para aprender com os erros" e se torna um pesadelo para as professoras, principalmente, pois eles (alunos homens) não as enxergam enquanto autoridade máxima na sala de aula, pois caem num machismo retrógrado e preconceituoso, que acaba por confirmar a posição de Moacir Gadotti que afirma ser um desses problemas da Educação enquanto visão governamental: uma profissão de mulheres. Ou seja, Gadotti vislumbra como um dos males da Educação, a maneira como as autoridades e alunos entendem a profissão "professor".
Junto com isso, aparece uma legislação que protege o errado e culpa a vítima: ECA. Estatuto da Criança e do Adolescente, que no São Bento é posto à revelia da autoridade da direção, pois prevalece o modelo tradicional de se educar, onde o professor é dono do conhecimento e o passa para os alunos, que estão numa posição de desigualdade e não naquela suposta horizontalidade, que em muito transformou professor em aluno e vice-versa (vide escolas que não tem professor onde alunos assumem o papel de mestres do saber). Talvez possa parecer saudosismo ou radicalismo minha busca de resultados, mas não consigo entender porque nós, professores, aceitamos tudo calados, sem questionar, pois temos uma grande arma em nossas mãos: liderança perante os alunos e a capacidade de torná-los instrumentos de mudança.
Então o que falta? Falta coragem pra mudar, deixar de lamentar como "sofressor" e que ganha mal, e blá, blá, blá... Mudar pra valer significa assumir postura diante de um quadro tenebroso que se mostra a anos e que tem sinalizado de diversas maneiras. Mas que fingimos não ver. Esperamos que alguém se apresente como culpado - hoje o Cabral "Pinóquio", ontém a Rosinha "Galiiiiinha Garotinha", antes o bandido "Menininho", e assim para sempre.
Combater o uso do crack, da maconha, da cocaína, do abandono, do uso de ar-condicionado numa sala que não tem janela, da sala que cabe 30 e colocam 65, dos salários baixos, da falta de material pra se dar uma aula decente, do desânimo, do cansaço de trabalhar em 03 escolas por dia, enfim dessa merda toda que nos deixa cada vez mais desinteressados. Determinar objetivos que possam ser efetivamente cumpridos e cobrados é nossa saída, sem que haja possibilidades de serem mudadas cada vez que um político novo entra ou nomeia algum miserável que nunca entrou numa sala de aula.
De experiência própria: enquanto professor, e vou dizer de coração, a melhor maneira de se acabar com o crime não é matar a mãe do bandido pra evitar que ele venha a nascer. É gerar propostas que desestimulem o uso das drogas e a apologia às facções criminosas. Fiquem com Deus.
Acho que o assunto suscita dúvidas e cobranças de parte a parte e foi exatamente o que busquei: gerar um debate sadio acerca de cobranças, modelos educacionais, problemas educacionais e socioeconômicos, etc. Quando mencionei a questão da disciplina, tinha por base remontar o ano de 1968 na França, onde lia-se em vários cartazes, "É proibido proibir", "A barricada fecha ruas, mas abre caminhos", e que resultou num hino à liberdade de expressão no Brasil do mesmo ano, de Geraldo Vandré, "Pra não dizer que não falei das flores" e num outro de Caetano Velloso, "Sem lenço, sem documento", e num clássico cinematográfico, "Easy Rider". Talvez, naquele momento, estivesse sendo plantada a semente da liberdade, da democracia, que infelizmente, devido à conjuntura da época, não tivemos o sabor de conhecer. Vinte, trinta, quarenta anos depois, nos deparamos com aquilo que muitos chamam de "traumas em decorrência da repressão que podem causar consequências profundas na formação da criança - o adulto do amanhã e, por conseguinte, resultados catastróficos na sociedade pós moderna". Aos defensores da repressão, lembro-vos que a situação caótica que nos encontramos hoje é resultado de 21 anos de ditadura e abusos de autoridade, que quando acabaram, nos deixaram em meio um mar revolto de "é preciso democracia, mesmo que isso resulte em modelos autoritários criados por um mercado devorador de pessoas e que vê o ser humano como um simples consumidor". A própria montagem do Estado nos anos de 1980 foi feito debruçadona ideologia mercadológica, na criação de uma administração pública que se preocupasse com a competição internacional do país em igualdade de condições num mundo que se globalizava e apalpado no modelo inglês tatcheriano do "roling back the satate", espelhando o "gerialism", ou, tornar o Estado empresarialmente viável e tratando o povo como mero consumidor dos produtos que iriam ser colocados no mercado.
Para os defensores da liberdade, quero lembrá-los de que a falência do estado weberiano, alicerçado no Estado Total ou Máximo, permitiu o surgimento de modelos neoliberais, onde as políticas públicas se direcionavam sempre para o grande aliado do estado “gerencial” – na visão de Bresser Pereira, o Plano Diretor, no primeiro quadriênio do Governo FHC – que é o mercado. O cidadão passa a ser entendido como fator secundário. Nesse sentido, a política educacional preocupou-se em fortalecer a PPP (Parceria Público Privado), onde caberia à iniciativa privada o gerenciamento do Estado, que agora se torna Mínimo. Fundamentados numa ideologia mercadológica, a meta principal era garantir a democracia a qualquer custo, mesmo que para isso fosse preciso “usar dos meios necessários” para a obtenção de tal resultado. E aí surgiram as leis da Educação, o ECA, o Estatuto do Idoso, o Código de Defesa do Consumidor, e tantos outros que buscavam garantir uma regulação eficiente entre o mercado e o consumidor. Ora, se estamos falando de educação, quem é o “consumidor”? O aluno? Seus pais? Nós, professores?
Para se garantir a realização desse projeto, foram planejadas políticas públicas que evitassem o retorno de ameaças que colocassem em risco a democracia brasileira. E resolveram “era proibido proibir”.
Numa sociedade despreparada econômica e socialmente como a nossa, a implantação de tais idéias tendem a criar um mundo do “faz de conta”, onde as pessoas acreditam piamente em tudo o que lhes é passado pela grande mídia – agora o principal fator de educação. Nada é feito sem que se ouça ou veja um exemplo mostrado no Jornal Nacional – exemplos positivos evidentemente, daquelas pessoas que deram certo vendendo churros na praia, etc – ou na Malhação – onde o importante da aula é a conversa paralela que rola enquanto professor explica a matéria.
De posse desses objetos de desejo, o indivíduo passa a ter a noção de que pode fazer tudo pois ninguém o impedirá. E aí ele vai pra escola, onde sua vida social se confunde com a obrigação de se preparar para o mercado de trabalho – modelo educacional proposto pela Lei n° 9394/96 – acha que pode fazer tudo também, assim como pode pichar muros nas ruas, botar fogo em índio (“Achei que fosse um mendigo”), espancar mulheres (“Achei que fosse uma prostituta”), tocar fogo em ônibus (“Achei que fosse ser humano), vender remédio falsificado (“Achei que poderia lucrar mais”), desviar dinheiro da merenda escolar (“Achei que poderia ficar milionário e não ser preso”, verdade pura), enfim, vários “achei” que permeiam nossa sociedade, sempre embasadas na impunidade.
De posse de tanta liberdade causada por tanto autoritarismo – relação de causa e conseqüência – nos vemos numa encruzilhada absurda de absurdos. Nos sentimos atraídos pela ideia de que “o bom é ser ruim”, somos “bad boys”, “pitboys”, “absurdamente malvados boys”, mas temos liberdade para isso, pois o estado democrático de direito deve estar garantido e para isso ou para reparar possíveis injustiças, existe a lei, o STF (piada de mau gosto principalmente com a atual presidência do sr. Ministro Gilmar Mendes, aquele que mandou soltar todos os presos pela PF, porque poderiam se sentir “constrangidos com tamanho absurdo”), a lei da “algemas nas rendas” (que proíbe o criminoso do colarinho branco de ser algemado e exposto no Balanço Geral, do Wagner Montes – sim, o Wagner Montes, hoje defensor da moralidade e dos bons princípios da execução sumária de bandidos – que pertençam ao PPP {preto, pobre e puta}, mas que durante anos viveu à sombra de algum grupo econômico poderoso e hoje vislumbra uma candidatura forte ao Governo do Estado do Rio de Janeiro em sucessão ao nosso caro “Pinóquio”, e que sinceramente acho que vai levar fácil essa eleição –, enfim tantas leis que sempre demonstraram o seguinte: faça o que quiser, haja o que houver, a liberdade de expressão está acima de tudo – mesmo que seja se expressar matando, roubando, etc.
Eles imitam o que há de errado e negativo: o Snoop Dog, 50 cent, Mulher Pêra, Maçã, Melancia, Abóbora, Tangerina, e veem o Super Pop. Idolatram jogadores de futebol como se fossem deuses vivos. Acham Marcelo D2 o máximo (perguntaram ao Marcelo D2 o que ele acha se o filho dele fumasse maconha. Resposta: com certeza não o deixaria fazer algo tão ruim). Amam o BBB e vislumbram um mundo perfeito de competição feroz e destrutiva. Acham o Pânico legal (mesmo que o Emílio Zurita seja um “cafetão de talentos”, como bem disse Rita Lee). Amam seu clube de futebol acima da própria vida (“Se o Fluminense morresse, eu morreria também só para ir ao céu para vê-lo jogar” – palavras de um torcedor fanático de 14 anos de idade). Enfim, fazem o que a grande mídia manda.
O debate é livre e o fórum de opiniões é democrático, assim como o é nosso Brasil. Minha intenção – na minha modestíssima opinião – é buscar fontes que melhorem nossa vida enquanto professor(a), pai, mãe, amigo(a), enfim seja lá qual for sua posição diante do quadro sombrio que se apresenta hoje.
Agora, perguntem a sra. Thereza Porto ou Sra Cláudia Costin, quantas vezes elas entraram numa sala de aula para trabalhar. E elas são as menos culpadas, pois os verdadeiros e maiores culpados são aqueles que as colocam nos cargos de Secretárias de Educação.
Esse espaço que temos sempre foi objeto de discussão dos mais variados temas, mas nunca, pelo menos não vem à memória nesse momento, buscamos de forma concreta estabelecer parâmetros ou paradigmas que possam criar soluções. Criticamos uns, elogiamos outros, falamos sobre dança, estilo de música, entre outros, mas não tocamos na ferida, no câncer que nos dói e martiriza.
Não sei quanto a vocês, mas estou fazendo minha parte. Onde trabalho, levo meus filhos e mostro para meus alunos como é importante se ter carinho e respeito ao próximo. Procuro mostrar-lhes que eles também já foram crianças e se hoje cresceram, devem se lembrar de que seus pais, de alguma forma, investiram muito na sua formação. ENSINO-LHES que em vez de escrever CVRLADATCP, escrevam RESPEITO, AMOR, PAZ, SOLIDARIEDADE.
Se vai dar certo ou não só o tempo dirá. Mas podem ter certeza de uma coisa: enquanto eu for um professor – e acho que não vai durar muito mais tempo além do tempo que já levou –, eles me terão como um espelho, alguém em que se pode confiar e que vai ajudá-los.
O debate está aberto. Vamos discutir o assunto.
Abraços e fiquem com Deus.